quarta-feira, novembro 18, 2009

A Peter Pan

"Querido amigo,


Há quanto tempo eu não voo contigo, meu querido Peter Pan! Tu eras o pássaro cor de prata, a abelha, o menino voador dos meus sonhos mais antigos.

Mandavam-me cedo para a cama, e eu obedecia, mas ficava de olhos abertos no escuro à espera que a Fada Sininho me desse sinal de que tu estavas para chegar, asinhas luminosas, sempre pronto para a viagem através do tempo e através das cortinas de chuva.

Como eu não tinha asas, usava as tuas para me elevar no ar, seguindo o teu rasto de poeira de luz no céu das casas e dos dias. E que feliz que eu era, Peter Pan, por poder ser tua amiga e poder, mesmo em sonhos, ser uma parte, ainda que pequenina, das tuas fantásticas aventuras.

Agora a minha vida é outra: para voar tenho que apanhar um avião, esperar nas salas de embarque dos aeroportos, controlar horários e outras coisas igualmente aborrecidas. Contigo era infinitamente mais simples: voava e pronto! Depois dava-me apenas ao trabalho de acordar, cabelos desgrenhados sobre a almofada, uma leve vertigem a baralhar-me as imagens e as ideias e uns pedaços de pó luminoso sobre a colcha.

Que é feito de ti, Peter Pan, que tanto me fizeste voar sem eu ter sequer de sair do meu quarto, fechada entre quatro paredes, à espera de um golpe de vento que me levasse muito para além dos mares e das nuvens?"

(José Jorge Letria, Cartas aos Heróis)



Escrito por José Jorge Letria mas que podia ter saído das minhas mãos. Traz tanto de mim, daquilo que sinto agora que até assusta...

1 comentário:

Sara disse...

K lindo texto :)..